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Olhar para o mundo positivamente é saudável ou uma ilusão? Como lidar com a vida real?

Olhar para o mundo positivamente é saudável ou uma ilusão? Como lidar com a vida real?

A visão de Poliana é sempre enxergar “o melhor” em cada situação, mas será que essa é uma atitude benéfica ou uma ilusão que pode se tornar perigosa?

Todas as situações que vivenciamos durante nossas vidas trazem com elas a possibilidade de aprendizado.

O que nos acontece são fatos, e aquilo que chamamos de nossa realidade é a interpretação que damos ao que nos aconteceu na vida.

Se formos traduzir a realidade em uma fórmula, podemos dizer que seria a seguinte: Realidade = Fato X Interpretação.

O fato em si nunca irá mudar, porém poderemos vê-lo e senti-lo de acordo com nossa interpretação, e ela se dá sempre embasada em nosso mapa de mundo, nossas crenças, valores, visão, experiências prévias, falas de nossa família, contexto e outras.

Enxergar o melhor ou pior não mudará o fato que se deu, porém fará a diferença na maneira como lidamos com ele, o que sentiremos, se paralisaremos ou teremos a força e motivação para seguir adiante e agir para mudar.

Seria ilusão se não olhássemos para a totalidade, para o que há de positivo e de negativo em cada experiência e em cada momento da vida.

O que há de melhor em cada situação é a oportunidade de crescimento e desenvolvimento através do que aprendemos, daquilo que assimilamos e transformamos ao vivermos a experiência através da nossa própria maneira de perceber e ser no mundo.

Quando focamos principalmente no melhor da experiência, há a oportunidade de abertura e de caminhar para o mais.

Segundo a Daseinanalyse, abordagem da psicologia desenvolvida por Martin Heiddeger, que tem um olhar fenomenológico, somos Dasein, Ser no Mundo, Ser com os Outros, o contexto, as relações e interações também nos definem.

Vivemos em uma determinada época, local, cultura, contexto, de um povo que segue valores coletivos, nascemos de uma determinada família e todos estes componentes fazem parte de quem somos e de como respondemos e agimos frente aos estímulos.

A individualidade traz possibilidades de irmos além, fazer diferente da maioria, nos distanciam do padrão, e assim corremos o risco de sermos “excluídos” e perdermos o direito de pertencer ao sistema, o que gera uma dor imensa.

A época atual traz uma percepção de descrença, de que não há nada a ser feito, que nada mudará, o que gera uma sensação de impotência.

Uma reação extrema a esta percepção pode desembocar nas ações e pensamentos violentos com aquilo que é diferente de nós, como temos acompanhado, são modos perigosos e insatisfatórios de vivermos com os outros.

Na obra, o pai de Poliana a ensina a jogar o “jogo do contente”, que é sempre procurar o lado bom em algo que a desagrada.

É possível educar as crianças a enxergar o lado positivo das coisas sem as conduzirmos para uma busca obsessiva por “estar bem”?

A busca da felicidade a qualquer preço, e como objetivo final não se sustenta na realidade das nossas vidas.

Com o advento das mídias sociais e a possibilidade de exposição online da vida, as pessoas sentem a necessidade de mostrar que estão sempre bem, suas famílias são modelos de perfeição e que têm relacionamentos felizes, vivem o sucesso e não há nada negativo em suas vidas, e passam isso aos filhos, que aprendem que é obrigatório viver dessa maneira.

Essa atitude é um grande equívoco, uma vida assim não é real e pode ser muito prejudicial e frustrante buscar a perfeição ou achar que tudo sempre estará bem, ou que temos o controlo do que nos acontece.

As crianças devem ser ensinadas a desenvolver a resiliência, para que cresçam como adultos capazes, realistas, flexíveis e adaptáveis, que sabem lidar adequadamente com tudo aquilo que lhes acontece, mesmo que seja uma perda ou traga sofrimento.

Quando somos conscientes, sabemos que nada é permanente, sucesso e fracasso, perdas e ganhos, vida e morte se revezam em nossas vidas, fazem parte da realidade.

A diferença será a maneira que lidamos com o que nos acontece, quando escolhemos focar naquilo que é positivo, ao mesmo tempo em que olhamos e aprendemos com o negativo, assim vivemos na realidade e podemos seguir adiante.

Ser positivo, olhar para o melhor, procurar o progresso, a evolução e a ampliação da consciência, possibilitam nos protegermos contra o pessimismo socialmente vivenciado, o inconformismo doentio e o cinismo exacerbado.

Viver num mundo cor de rosa ou numa bolha de ilusão não nos salva de ter de responder pelas dificuldades na hora em que elas aparecerem.

Quando percebemos o lado bom das coisas, mantendo uma postura adulta e realista, ampliamos nossas possibilidades de mudança e sucesso, com flexibilidade e resiliência.

Não ver o lado bom, ou não ver o lado negativo por outro lado, é negar e não perceber parte da realidade, e isto sim é prejudicial para nosso julgamento e nossos resultados.

A verdade sempre liberta, traz responsabilidades, trabalho, mas é a única possibilidade de viver como adultos, assumindo nossa parte na vida.

Existe uma maneira alternativa de agir diante das adversidades que possa conduzir a uma sensação de bem-estar, mas que não seja necessariamente tão positiva?

A maneira mais saudável e funcional para se viver, que traz mais satisfação e bem estar, é viver a vida olhando para a totalidade do que nos acontece, sem selecionar, sem excluir nada, porém escolhendo como interpretaremos os fatos, aprendendo com as experiências, buscando desvendar o “para que”, a função de tudo que acontece conosco, inclusive as perdas e doenças.

 

Podemos interpretar o que nos acontece de uma maneira positiva sem sermos alienados nem vivermos num mundo ilusório “cor de rosa”, trabalhando continuamente para mudar nossos referenciais e interpretação.

Isso significa fazer o melhor dentro do que está ao nosso alcance, sabendo que não teremos garantia de resultados, e aceitando o que nos acontece, sem resignação, sem entrar em jogos de vitimização, autopiedade ou derrotismo.

Somente conseguiremos alcançar esse status saindo de nossas máscaras e personagens, assumindo nossa essência, através da ampliação da consciência, vivendo de maneira autêntica, e buscando a individuação.

Bert Hellinger, filósofo e terapeuta que desenvolveu as Constelações Familiares Sistêmicas chama esse movimento de assumir a “má consciência”, sair dos padrões conhecidos e habituais de nossos sistemas, mesmo correndo o risco de sermos excluídos e perdermos o pertencimento.

É um processo que a maioria das pessoas não buscará, pois dá trabalho e comumente gera dor, ao mesmo tempo em que nos aproxima da libertação das ilusões.

No final, é muito gratificante e vale a pena viver assim livremente, sabendo quem somos, conhecendo nossa missão e o sentido de nossas vidas, numa vida mais plena e saudável.